"Um homem que não seja
um socialista aos 20 anos não tem coração. Um homem que ainda seja um
socialista aos 40 não tem cabeça."
Georges Benjamin Clemenceau (1841-1929)
Quem não lembra daquela clássica foto em que o então presidente Venezuelano,
Hugo Chavez, deu de presente o livro “As Veias Abertas da América Latina” para o
presidente dos EUA, Barack Obama? O livro do escritor uruguaio Eduardo
Galeano(1940-2015) é indicado aos quatro ventos pela esquerda latino-americana aos
jovens, por gerações e mais gerações. Mas o que existe de errado com o livro?
Eduardo Galeano afirmou no aniversário em homenagem de 43 anos do lançamento do
livro que não concordava com o direcionamento do próprio livro, e em declaração
afirmou: “Veias Abertas pretendia ser um livro de economia política, mas eu não
tinha o treinamento e o preparo necessário". Ele acrescentou: "eu não
seria capaz de reler esse livro; cairia dormindo. Para mim, essa prosa da
esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera."
Tal afirmação e posicionamento é um enorme choque aos militantes de esquerda,
atuais e antigos. Imaginem a gama de profissionais do ensino que o elevaram a
nível de “obra-prima” por anos e anos? A afirmação de Galeano causou decepção
em nomes como Isabelle Allender, que escreveu texto introdutório numa das
edições recentes do livro. Todo o frenesi sobre a causa da “pátria grande”
latino-americana, por algum milagre indecoroso, nunca conseguiu ser o grande
baluarte da educação, economia e prosperidade, como chegou a imaginar Galeano.
Hoje a esquerda especializou-se em culpar causas externas, como colonialismo, e
o “imperialismo” de todas as grandes potências. Terá ele notado a tempo? É bem
verdade que Galeno escreveu o livro em um período de pós-juventude, onde os
sonhos são mais importantes do que a racionalidade na busca das reais causas
dos nossos fracassos continentais. Não é de hoje que tentam os revolucionários construir
esse sonho que nunca se consolidou, devido, segundo a esquerda, às “forças
estrangeiras”.
Segundo a teoria do historiador romântico e nacionalista paraguaio Juan
Emiliano O'Leary (1879-1969), acredita-se, por exemplo, que a “Última Guerra do
Prata” foi causada por influência da Inglaterra! Para a enigmática teoria
conspiratória, Brasil, Uruguai e Argentina guerrearam contra o tirano paraguaio
Solano Lopez. “É culpa do imperialismo”, dizem.
Galeano conviveu bastante com o peruano Mário Vargas Llosa(1936), renomado
escritor de clássicos da literatura latina, como “Guerra do Fim do Mundo”(1981).
Ele comenta a Guerra de Canudos, e dedica a obra a Euclides Cunha(1866-1909).
Vargas Llosa também era um ex-simpatizante da esquerda latina, e chegou a flertar
com o governo de Fidel Castro. Porém, após o apoio de Fidel à invasão da
U.R.S.S na Tchecoslovaquia (“Primavera de Praga”-1968), Vargas Llosa passou a
afastar-se dos movimentos de esquerda, e atualmente declara-se ativista da
Liberdade na América Latina. A história do conhecimento sempre apresenta vários
pensadores, que em determinado momento de suas vidas, tornaram-se mais ou menos
conservadores ou liberais. Alguns, mesmo diante das atrocidades de seus antigos
ideais, não tiveram hombridade o suficiente, como o caso de György
Lukács(1885-1971) e outros imponentes intelectuais da esquerda. Não obstante,
viram o seu mundo ao chão com o lançamento do livro “Arquipélago Gulag”(1973),
escrito por Alexander Soljenítsin(1918-2008), prisioneiro em campos de trabalho
forçados na U.R.S.S, e o primeiro a fazer denuncias sobre as condições
aterrorizadoras dos Gulags socialistas. Seguindo as denúncias, escreveu também “Um
dia na vida de Ivan Denisovich” (1962).
É necessário lembra do escritor polonês Leszek Kolalowski(1927-2009). Ávido
marxista em boa parte da sua vida, escreveu posteriormente uma extensa obra de
1.200 páginas na qual critica o marxismo em três volumes intitulados “As
Principais Correntes do Marxismo”(1976). Ele leu em Jonh Locke(1632-1704) as
bases do liberalismo moderno, e não poupou críticas a "Crítica da razão
dialética"(1960), de Jean-Paul Sartre(1906-1980) e ao marxismo campesino
do maoismo na China, bem como ao Comunismo que devastou os países do leste da
Europa.
E os nossos escritores brasileiros? Poderíamos começar não somente com
Graciliano Ramos (1892-1953), que chegou a filiar-se ao Partido Comunista, e
logo depois se afastou. Jorge Amado(1912-2001), um dos maiores best-sellers da
literatura brasileira, ao assistir o fim da U.R.S.S pela televisão, viu a realidade
do fim do socialismo real, e um mundo de crenças desmoronou junto ao muro de
Berlin, ao descobrir que Stalin não era o pai dos pobres como imaginava. Para o
nosso ex-deputado do Partido Comunista, o mundo cruel e as verdades expostas
pelo governo de Mikhail Gorbachev (1931) foram cruciais à derrocada do sonho.
E quanto ao poeta Ferreira Gullar (1930)? Em um passado não tão distante,
cantou alegorias à revolução e comentou “a beleza da moça é tão bela quanto a
revolução cubana”; hoje considera o socialismo uma utopia e o capitalismo uma
força invencível. Nas palavras do poeta Ferreira Gullar, sobre a insistência em
ser socialista no mundo moderno, diz: - “Quando ser de esquerda dava cadeia,
ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é”. Nada melhor do que o tempo. O
grande problema de lutar por utopia e contra o capitalismo é tentar construir
um sistema baseado em sonhos cuja aplicação só gera miséria e tragédias,
enquanto a tal “força do capitalismo” é apenas um sistema econômico natural,
não um sonho.
A realidade é sempre mais prática do que qualquer romance. As “veias” da
América Latina precisam de oxigênio, de mais liberdade. Você não precisa chegar
aos 70 anos para enfim perceber o inevitável.